sexta-feira, 22 de outubro de 2010

De mestre pra mestre - Texto do Jaime Sodre sobre Ederaldo Gentil

Não sei até que ponto o fato relatado no meu último post incentivou a o Mestre Jaime Sodré a escrever esse lindo texto sobre Ederaldo Gentil no Jornal A Tarde de hoje. O fato é que está lá, de mestre pra mestre, impresso no jornal e emocionantemente me citando no enredo.
Segue na íntegra o texto:

Reprodução do Jornal A Tarde - Salvador (Ba) de 22 de outubro de 2010
"Ederaldo,
por gentileza
Jaime Sodré

 “Panela velha é quem faz comida boa”, mas, já me deliciei com tudo aquilo que o grande compositor baiano Ederaldo Gentil fez, quero as mais recentes “pérolas finas”. Se preciso, faria um “abaixo-assinado”, uma “emenda popular” com milhares de assinantes.Um instante maestro Luizão, quero mais Ederaldo.
Encontrei Luizão, sobrinho de Ederaldo, precavido, o tio dera-lhe um cavaquinho intimando-o a entrar no “Clube do Samba”, Luiz guarda o cavaco e assume o rock com o “Cravo Negro” e “Penélope”. Mas não esquece o tio, Cobrei-lhe mais Ederaldo, e com o auxilio luxuoso da erudita Fernanda Monteiro formaram o “Doisemum”, grupo habitante do bom gosto, mandou-me uma excelente gravação da canção “Compadre”, do tio.
Quem é Ederaldo, capitulo máximo da historia da musica brasileira, “UM BAMBA”. Oriundo do quimbundo “mbanba”, na lingua do povo banto, significa muito bom, excelente. “Bambambã e bamba” refere-se no Brasil a sambista virtuoso. Ederaldo nasceu a sete de setembro de 1943, no largo Dois de Julho, um dos filhos de D. Zezé e “Seu” Carlos, competente relojoeiro, oficio transmitido ao sambista. Mudou-se para o Tororó,  reduto do samba e carnavalesco, do Apache, Filhos do Tororó, entre outras. O gosto pelo carnaval fora alimentado pelo pai nos bailes a fantasia. Participara da bateria da escola tomando gosto pelo samba, estimulado por “Seu” Arnaldo presidente. Daí foi para a ala dos compositores, tendo os seus sambas entoados na quadra. A vida não era fácil, arriscou o futebol na posição de meia-esquerda do Guarany, e a treinar no Vitória. A musica falava mais alto, nisso ele era competente. Vencera o concurso municipal do carnaval com a musica “Rio de Lagrimas”, ganhara por três anos. Em 1967 vence na quadra dos Filhos do Tororó com “Dois de Fevereiro” e ouvia seus sambas na boca do povo, afasta-se da escola e compõe samba-enredos para outras. Chegara a hora de tornar-se nacional, entra no espaço da MPB nos anos setenta, através das canções “Berequetê” e “Alô Madrugada” com Edil Pacheco, excelente compositor baiano, na voz de Jair Rodrigues. Aproxima-se de Alcione, Eliana Pittman, Leny Andrade o Conjunto Nosso Samba.
Em 1972 vai para São Paulo na tentativa de gravar um disco próprio e participar de programas de Tvs, sem sucesso, retorna a Bahia, acolhido pela família e amigos, reassume o oficio herdado do pai, e reaproxima-se da sua escola de Samba, faz as pazes e premia a Bahia com um sensacional samba-enredo, “In-Lê-In-Lá”, em homenagem aos cinqüenta anos de Mãe Menininha, em parceria com Anísio Felix,  samba que mais tarde gravaria, abandono a produção de sambas nesta categoria.
A gravadora Chantecler, reconhecendo o seu valor, o convoca a São Paulo, gravando um compacto simples com a genial e filosófica “O Ouro e a Madeira” (O ouro afunda no mar, madeira fica por cima, ostra nasce do lodo, gerando pérolas finas) e “Triste Samba”. A primeira recebe uma outra gravação, pelo grupo Nossa Samba, acompanhante de Clara Nunes, como diria hoje “bombou”.
Sucesso nacional, nova gravação com a mesma gravadora, deste feita o seu primeiro LP, em 1975 surge o “Samba Canto Livre de Um Povo” este poderia hoje, ser editado em CD. Lança outro LP “Pequenino”, numa esmerada produção com o acompanhamento de músicos e maestros primorosos. Carreira segue consagrada, retorna a Salvador, aos seus show, alguns acompanhei na bateria. Em setenta nasce com Batatinha o show “O Samba Nasceu Na Bahia”, glorioso.
Apesar da qualidade da sua obra, fica anos sem gravar e resolve enfrentar gravando um disco independente com ajuda de amigos, chamado “Identidade”, generoso, na contra capa do disco cita todos os colaboradores.
Aos poucos, esquecido pela mídia e gravadoras, passeava pelo Pelourinho, ouvindo na voz de outros a sua música, ao tempo em que não o reconheciam. Desanimado, recolhe-se na Vila Laura. Vieram as homenagens, mais compositor maior permanece recolhido no carinho dos seus. Ederaldo, O Genio, por gentileza, o Brasil te convoca, para perfumar a sonoridade nacional."

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Eu e Ederaldo, Ederaldo e eu.

Quando criança em Juazeiro, na década de 70 descobri que um, dos (vários) irmãos da numerosa família do meu pai em Salvador, além de relojoeiro era sambista e que vários artistas de sucesso gravavam as suas músicas. 
Quando eu tinha cinco anos, Ederaldo Gentil foi nos visitar e me deu um cavaquinho de presente. Começou ali, mais do que uma admiração ao tio famoso, uma relação afetuosa muito especial. Eu era uma criança muito chata – os relatos sobre isso, por mais que eu não lembre, são espantosos. E mesmo assim, ele tinha uma paciência enorme comigo e não me tratava como criança. Conversava comigo como se eu fosse adulto. Talvez esse tenha sido o segredo da nossa especial amizade e d'eu ser uma criança legal com ele.

Afinal, ver Mussum no auge dos Trapalhões com o seu grupo Originais do Samba, cantando: “O ouro afunda no mar/ madeira fica por cima/ ostra nasce do lodo/ gerando pérolas finas” (O ouro e a madeira), e saber que aquela canção era do meu tio, o tornava sem sombra de dúvidas um tio mais que especial pra qualquer garoto.



No seu segundo LP, "Pequenino" de 1976, um disco todo autoral, a única excessão era a canção “Peleja do Bem”, composição do meu irmão Tatau.




Com meus 10, 12 anos, comecei a passar as minhas férias com mais frequência em Salvador. Era bem comum Ederaldo ir me buscar pra passar o final de semana na casa dele em Ipitanga (praia do litoral norte da Bahia). O carro dele não tinha som e ele adorava cantar enquanto dirigia. “o mana deixa eu ir/ oh mana eu vou só/ oh mana deixe eu ir/ pro sertão do caicó” era uma das mais cantadas no caminho. Não esqueço também o dia em que ele chegou pra mim e disse: “Luisinho, Roque Ferreira fez um samba bonito pra cacete” e começou a cantar “tramas da vida” (que Roque lançou em compacto) e anos depois, não sei porque, foi trocada de nome para “É preciso ser rocha” num disco de Edil Pacheco.

Mais tarde, quando vim estudar em Salvador, nossos encontros ficaram mais frequentes. Paralelo ao Cravo Negro - minha banda de rock na época - cheguei a fazer alguns ensaios e três shows como músico da banda de Ederaldo. Porém musicalmente, minha cabeça de adolescente era só rock e a dele sambava. Não subi mais ao palco com ele, mas nossos encontros continuaram habituais. Falávamos de música, de novos acordes (era impressionante como Ederaldo, tocando um violão tão simples, compõe canções tão sofisticadas) As vezes ele chegava pra mim e perguntava de “uma pestaninha diferente” e eu ia lá, montar os dedos dele no violão. Não tive a honra de compor com ele, aliás, chegamos sim, a ter uma parceria num jingle publicitário. Era uma música para campanha de um candidato a prefeito de Lauro de Freitas . Compomos ela no meu apartamento da Graça e depois gravamos no estúdio de Felipe Cavalieri, no bairro da Liberdade. Depois de tudo quase pronto, Ederaldo me liga aflito:


- Luisinho?
- Diga, meu tio.
- Estamos com um problema (mesmo do outro lado da linha, eu já podia sentir que ele estava enrolando as tranças imaginárias do cabelo com os dedos. Ele sempre faz isso quando esta preocupado ou pensativo.)
- Que foi?
- O pessoal ta querendo colocar o nome do vice também no jingle.
- E qual o problema nisso?
- É que o nome do vice é Girino!
- Como?
- Girino. Gei-gi-rei-ri-nê-o-nó, Girino!
- Putaquepariu!

E assim ficou: “A hora é essa/ vamos nessa meu irmão / salvar Lauro de Freitas trabalhando com Leão e Girino!”

 Jingle aprovado.

Muitos anos depois, numa das minhas primeiras idas pro Rio de Janeiro, segui na estrada ouvindo um disco de Ederaldo. Foi  bem marcante chegar na cidade maravilhosa ouvindo “Rio das minhas ilusões” - em que ele relata o tempo dele lá, com saudade de casa e das diferenças entre as cidades -  “banana dágua é nanica/ tangerina é mexerica/ sinto falta do luar”.  Eu pude entender bem aquela canção. Aliás, ele sempre foi um compositor de escrever em primeira pessoa, visceral, de se expor mesmo. Seus medos, suas saudades, dores e amores. Dificilmente há uma canção escrita como observador. Ele chegou ao ponto de cantar os números do seu CPF e RG, como fez na canção “Identidade”.
“Rio das minhas ilusões” mesmo, é uma carta que ele musicou após escrever: “12 de março chuvoso de 73/ que esta lhe encontre em gozo de felicidade...”. Assim como “Rose”, feita para irmã.

Só com o tempo fui perceber o quanto dele há em mim, que aquela afinidade de criança não era por acaso e nem só pelo parentesco.

Mês retrasado, encontrei com Jaime Sodré num evento sobre “música e tecnologia”. Depois do chato debate, fomos pra um canto eu, ele, Letieres Leite e Marcionílio ter um papo informal sobre “música e candombleria”. Jaime, mais um dos meus ídolos de infância (papo pra  um outro texto), começou a falar - com toda maestria que os deuses lhe deram - sobre a ligação das melodias de Ederaldo com o candomblé. Nos explicou cada um dos significados daquelas linhas melódicas, traduzindo aquele quase “código morse dos escravos” contido lá nos berêquetês do meu tio. Antes disso ele havia elogiado o Dois em Um, me falou que tava sabendo dos meus sambas e no final de quase uma hora de conversa, ele chegou pra mim e disse (como quem conta um segredo):

- Luisinho, você tem que gravar uma música do seu tio.

Bem sabia ele que eu já queria fazer isso, e muito.

Semana passada gravamos uma primeira versão, ainda demo, de “Compadre”, música de Ederaldo, registrada no "Pequenino" de 1976, composta pro seu amigo, empresário e claro, compadre: Paulo Nei.

A gravação que fiz com o Dois em Um,  pode ser ouvida aqui: http://youtu.be/rhTwd7KsR6I 

"Repare a maré/ tem horas de enchentes tem horas vazantes/ Assim como a lua vem quarto crescente, vem nova, vem cheia, vem quarto minguante/ Como você vê tudo enfim se transforma/ E o amor não é uma exceção/ Procure ser forte e ter esperança/ Que aparecerá uma nova ilusão" (Ederaldo Gentil)

terça-feira, 13 de abril de 2010

- A Conjuntivite esta na Roll! - E a sua mãe na Playboy!

Fiquei um tempo sem escrever aqui, porque queria começar do começo.Prometi fazer um texto pra contar como foi criar a minha primeira banda de rock, aos 11 anos de idade, na década de oitenta, em Juazeiro-Bahia. Porém as histórias são tantas e tão surreais, que quando paro na frente do computador pra escrever sobre, eu travo e me vem uma série de questões: Qual a melhor forma de traduzir exatamente como foi? Por qual delas começo?
Ate que, por conta de uma mudança de casa, tive que dar fim a um monte de caixas em que guardo várias tralhas, e em uma delas encontrei uma edição da revista Roll (era a Rolling Stone brasileira da década de 80).
Estávamos com um “evento” em que duas bandas muito importantes da cena punk rock da capital se apresentariam pela primeira vez em Juazeiro. Eram elas o “Trem Fantasma” e “Delirium Tremens”. O show de abertura ficaria por conta da local “Conjuntivite”, o meu começo, e também a primeira banda de rock daquela região.

Foi por culpa de Adriano! 

Adriano era um cara que havia chegado de fora, com uma bagagem cultural incrível. E, como se não bastasse, uma fantástica discoteca com centenas de LPs do melhor que havia do rock inglês, americano e algumas fitas de bandas de rock baiano. Ele não só colocava os discos preu ouvir, assim como contava a história das bandas, ilustrando às vezes com instrumentos invisíveis. Como um “air bass”, que fazia pra me mostrar uma genial linha de baixo do John Paul Jones, numa determinada canção do Zepellin.
Ele tinha um equipamento de som muito bom, assim como as chaves de uma sala fechada, em cima da ótica da mãe, donde podíamos ouvir no ultimo volume, aqueles discos que mudaram a minha vida. Aquela sala era o templo, o rock a religião e Adriano o pastor.
A minha devoção era tão grande, que um dia Adriano me disse que devíamos pichar “Força de expressão” nos muros da cidade. Mesmo não tendo a mínima idéia do que se tratava, passei a escrever “força de expressão” até nos livros e paredes da escola. Eu me encantava com cada descoberta que Adriano me apresentava. Eu soube exatamente, dali pra diante o que eu queria da minha vida.
A hora era aquela, eu tinha que ter uma banda!

Eu já tocava um pouco de guitarra, violão e piano, mas Adriano não passava dos instrumentos imaginários.
Um dia, em conversa com os irmãos Tum e Dode, fiquei sabendo que, mesmo sem saber tocar, eles tinham por herança guitarra, baixo e uma bateria, guardados no sítio da família. O generoso Tum resolveu me emprestar os instrumentos.
Montei tudo na garagem da minha casa. Uma hora pegava na guitarra, outrora ia pro baixo, depois a bateria. Felicidade era ver aquela garagem pronta, com os instrumentos montados. Mas faltava um detalhe: o resto da banda!
Como dizia Adriano: “banda tinha que ser uma irmandade.” E assim sendo, escalei dois grandes amigos, que apostei ter vocação pra coisa.
Comecei a ensinar o pouco que eu sabia de bateria pra Joãozinho, e peguei os acordes que Tica sabia de violão e começamos a adaptar pra guitarra. Compus as duas primeiras músicas e pronto, tinha uma banda!
Eu detestava o termo “conjunto”, soava cafona. O bacana era “banda”. E, como em cidade do interior, ate o silêncio alheio se propaga na velocidade da luz, que dirá o barulho.
Mesmo trancados naquela garagem, e menos de uma semana de ensaios, todo mundo já tinha conhecimento da banda. Do padre (que reclamara a minha mãe) a um amigo do meu pai que veio me perguntar:

- Qual o nome do seu conjunto meu filho?

- Conjuntivite! Respondi irritado.

Depois da irônica resposta, me afastei e logo tive um estalo: Hum, ate que não é tão ruim assim! Naquele momento a nossa banda ganhara um nome.
Pichação na igreja de Petrolina/PE


Um ano depois, é chegado o dia do festival.
O palco ficava na “Ilha do Fogo” - ilha que fica no meio da ponte, separando Juazeiro e Petrolina, Bahia e Pernambuco.


Conjuntivite toca no palco armado na Ilha do Fogo


As bandas de Salvador começavam a montar os instrumentos.
Eis que chega a vez de Nicolau Rios, guitarrista do Trem Fantasma,  dá um acorde distorcido e bem alto. Bastou aquele único som, pra eu comentar com meus amigos de banda: 

- Caralho, esse cara tira o som de guitarra que eu sempre quis tirar. É o melhor guitarrista da Bahia! 

Eu sempre fui atrás daquele som, aquele barulho que eu ouvia nos discos de rock. A guitarra era rasgada, suja, pesada. De repente surge esse cara, à poucos metros de mim, tocando exatamente como eu queria tocar.
Fui ate ele:

- Nicolau?

- Cole? respondeu com aquela cara amarrada e os olhos quase fechados.
- Rapaz, como você consegue tocar assim? É exatamente o som que sempre tentei fazer...

- Alquimia! Segredos dos deuses, meu caro. Mas você me parece um bom menino. Eu vou te revelar. Ta vendo isso aqui (apontando pra uma pequena caixa metálica no chão do palco)?

- Sim, o que tem?
- É um pedal, um pedal de distorção! Olha a guitarra sem ele (ouço aquele blein que minha guitarra faz). E agora com ele ligado ( brrrrrruuuuuu!!).
- Cacete!! (o cara é bruxo mesmo, pensei. minha vida mudou - parte 2)

Conjuntivite no Festival
Durante o show: A platéia, curiosa e assustada.


Dia seguinte ao festival, levei os caras da banda pra comer e beber la em casa.
No horário combinado, chegou Adriano e o Trem inteiro. O baixista Ives, o baterista Bozo (com a sua virada de tons mais rápida do rock baiano), o vocalista Marcelo Fofolete e, claro, o meu ídolo Nicolau.
Lá pras tantas, pergunto a ele onde consigo comprar um pedal daqueles. Nicolau movimenta os olhos prum lado, pro outro e fala baixo:

- Ih meu garoto, é quase impossível. Esse aqui meu mesmo, eu só trocaria por um fusca verde, com a placa de Casa Nova (BA), recheado ate o teto da boa massa de lá! 
Olhei pra ele desapontado, enquanto ele desviava o olho de mim e avistava um gravador de rolo importado (e caro) que meu pai havia comprado recentemente. E rapidamente foi falando:


- Mas como você é um garoto gente boa, tratou a gente bem, o rango daqui é sensacional... Eu posso trocar o pedal com você por aquele gravador ali. 

- Caramba, jura?
- Só se for agora. 

A Brasília do Trem Fantasma partiu pra Salvador com o gravador. E o cara mais feliz do mundo ficou em Juazeiro, com o seu novo pedal.
Eu, com a camisa da banda e botton anti bomba nuclear.


Nada bem ficou meu pai, ao saber que o gravador dele havia se transformado numa caixinha que transformava o “bleeem” em “bruuuuu”!
Continuamos tocando na cidade, ensaiando religiosamente das três a sete da noite. Alguns meses após o “festival”, Adriano chega sorridente pra mim e fala:
- A Conjuntivite esta na Roll!

- E sua mãe ta na Playboy. Respondi.
- É sério Luis, olha aqui!!   E me mostra esse exemplar que ilustro no texto.

Matéria da Revista Roll (1983)

Ao que tudo indica, o jornalista estava de passagem pela ponte, que é uma importante ligação do nordeste, quando viu aquela cena inusitada e parou pra crer.
“Ilha do Fogo” virou uma música da minha segunda banda, a Metalúrgica, mas essa estória é pra outro dia.

sábado, 27 de junho de 2009

Michael, eu te odiei uns dias!

Michael dançando. Foto: Luis Pereira

Eu era apaixonado por uma professora da escola. Daquelas paixões clichês de pré-adolescente em sala de aula. Acredito que ela não desconfiava de nada, até que um belo dia resolvi escrever numa prova final tudo o que eu sentia por ela.
Logo após a prova entramos em férias e a última notícia que tive da moça foi um 9,2 em caneta azul na dita prova, a qual eu não tinha respondido a uma questão da matéria sequer, apenas me declarei apaixonado. E, diante da nota muito boa, comecei a achar que teria alguma chance. Ela devia ser uns dez anos mais velha do que eu.
No meio das férias, havia um baile em Petrolina no bombado clube do Círculo Militar. Devia ter entre dez ou doze anos, mas já dirigia e frequentava boates (no interior da Bahia era assim).
Chegando lá dei de cara com a professora. Fiquei sem jeito, sem saber o que falar, perguntei de que música ela gostava.

- Eu amo Michael Jackson! Respondeu eufórica.
Putz, que merda. pensei.

Eu estava numa fase de ouvir metal, e abominava o “pop”. Ainda não havia saido o "Thriller", donde Eddie Van Halen fez aquele maravilhoso solo de guitarra na “Beat it” que me fez ouvir centenas de vezes a música, que por osmose, me converteu num fã do Michael.
Lá em Juazeiro tinha um cara, chamava-se Carlos. Era um bonito negro, de nariz fino que lembrava o Michael pós-primeira plástica.
De repente, começou a tocar na pista o hit "Don't Stop 'Til You Get Enough". Carlos logo começou a dançar, os olhos da professora brilharam mais que o globo de espelhos que girava no teto. Não deu noutra, ela acabou ficando com o cara.
Anos mais tarde eu estava com Tamima (que confessou também uma paixão por M.J.), nos movendo para conseguir crachás de produção para a gravação do clipe do cara no Pelourinho.
O Pelô estava todo interditado, a caravana de Michael veio em 06 vans. Na segunda van, havia um Michael (de luva, chapéu e tudo) que acenava pela janela do carro para a multidão nos arredores. Mas era um sósia, o verdadeiro estava na quarta van, escondido e “protegido”.
Como tínhamos a credencial, ficamos circulando livremente. Teve um momento em que ele estava de bobeira, olhando pro nada – enquanto o sósia ficava no sol, pro pessoal das câmeras ajustarem os detalhes. Naquele momento eu lembrei da professora. Fui me aproximando dele aos pouquinhos, meio que de lado, cheguei bem perto. Fiquei observando as manchas nos braços, a mão pequena e o jeito tímido. Ele chegou a me ver e sorrir, quando fui tentar trocar alguma palavra, o segurança dele apareceu como mágica e foi logo me alertando:

- Não fale com ele, não tire fotos dele!
- Tudo bem. Respondi.

Depois, quando os seguranças estavam mais preocupados com uma parte dos moradores do Pelourinho que conseguiam chegar um pouco mais perto das filmagens, tirei umas vinte fotos da gravação. Um número até grande para época, já que não se sonhava com maquina digital.
Consegui falar com Spike Lee, trocamos um “ta quente né?”
Coincidência ou não, agora em junho, mês da morte de Michael, reencontrei, duas décadas depois, Carlos num centro médico em Salvador. Ele agora é representante de laboratório farmacêutico, quase pergunto se ele vendia morfina.

Spike Lee e Michael Jackson: Foto Luis Pereira

domingo, 24 de maio de 2009

João e Jonny.


Aproveitando as duas postagens abaixo, lembrei-me que em março de 2008, em entrevista ao jornal O Globo (RJ), numa matéria sobre a Bossa Nova. Eu declarei que era quase impossível que o Radiohead não tivesse escutado João Gilberto.

Agora na vinda dos caras ao Brasil, o guitarrista Ed O´brien declarou, em entrevista ao fantástico, que na época do Ok Computer eles estavam obcecados pela bossa nova, em especial por João Gilberto. Bingo!

Em 1998, eu tentei convencer Tom Capone que Thon Yorke era influenciado por Jessé. Tudo bem, ai já é querer demais.


quarta-feira, 29 de abril de 2009

Joãozinho Simpatia.


Era o ano de 2000, eu estava no aeroporto do Galeão, com a Penélope (banda que toquei por oito anos) aguardando a hora de entrar num voo pra Porto Alegre. Quando alguém da equipe anunciou:

- Olha lá o João Gilberto!

Não era novidade que eu sempre tive orgulho de falar da minha admiração e de alguma forma, "ligação", já que o cara era da minha cidade e conhecido do meu irmão mais velho.

Ai, num tom de sacanagem, alguém da banda falou:

- Não vai falar com o seu amigo não Luisão?

Todos riram.

Foi ai que me dei conta que realmente era ele mesmo, João Gilberto, o mito em pessoa. Deu um frio na barriga, ainda maior do que eu sempre sinto ao entrar num avião.

Lucy Vianna era nossa empresária na época. Ela era inglesa. Pra ela, quando eu falava que João Gilberto havia nascido na minha rua, três casas depois pra ser exato, e que eu o via por lá quando eu era criança. Equivaleria a ela contar o mesmo pra mim, tendo como personagem o Paul McCartney. Eu também não acreditaria.

Ela também engrossou o coro dos que queriam me empurrar até o cara:

– Vai lá lulu!

Com um olho na brincadeira e outro no João Gilberto.

Ele estava na sala de embarque, a uns dez metros de nós, lendo uma revista, sentado na última fileira. Haviam várias cadeiras vazias, perto dele só o violão ao lado dos pés e uma mulher com cara de vigilante da paz. Mas eu não podia deixar todos rirem da minha cara daquela forma, além do que, falar com João Gilberto não seria uma má idéia - poderia ser uma péssima! (claro que pensei isso também)
Mesmo assim, peguei um pouco da coragem e da tranquilidade que São Rivotril me dava em aeroportos e saí em direção ao cara.
Foram alguns dos passos mais longos da minha vida. Durante o curto caminho, eu ia pensando: Cacete, tô fudido, que zorra é que vou falar?

Cheguei na frente dele e parei. Ele fez de conta que não me viu. Então falei muito baixinho:

- Seu João!? Ei, seu João?

Ele desviou a revista do rosto, e me olhou franzindo a testa.

Respirei fundo e falei:

- Seu João, desculpa te incomodar. Sou Luis, de Juazeiro, irmão de Tatau, fui aluno de Vivinha (irmã dele que tinha uma escolinha na nossa rua). Só vim dar um oi.. Antes deu acabar meu texto decorado ao longo dos passos, João Gilberto largou a revista, emitiu um hôoo.. acompanhando um sorriso, levantou-se e me deu um abraço. Daí passou a me fazer o monte de perguntas:

- Nossa, você é o mais novo?
- Como vai o Dr Humberto? (meu pai) e sua mãe?

- Você esta indo pra Juazeiro? Seu irmão nunca mais me ligou...
E eu ali petrificado. A única coisa que eu consegui falar, em resposta a mais perguntas dele, foi que – Sim! Eu morava no Rio.

Ele prontamente pegou uma caneta, um pedaço de papel, anotou um telefone e disse:

- Me Ligue!

Todos da banda e equipe ficaram olhando sem acreditar.
Deu a chamada pro nosso embarque, me despedi dele e fui em direção aos meus parceiros. Voltei ainda mais inflado do que normalmente. Lucy já estava ao celular com Herbert Vianna, (marido dela) contando o que acabava de testemunhar.
Flavão, nosso produtor, 100% carioca, falou com aquele sotacão:

- Aê muleque, tirou onda mermão. O cara te conhece mermo! O que é isso ai em tua mão, um autografo?

- Não, o telefone dele! Respondi, com o olhar de quem parecia não mais temer o voo, afinal eu já estava nas nuvens.

Jonny Greenwood - no star wars!




Eu e Jonny Greenwood (Radiohead)

Rio, março 2009.

Cheguei cedo pra acompanhar a passagem de som. mas não tão cedo a ponto de ver quase um ensaio geral que o radiohead resolveu fazer. Os caras tocaram quase o show inteiro antes do show valendo.
"caramba, os caras não queriam sair do palco", me disse Wiliam, tecnico de som do los hermanos. E eu perdi isso? Perdi! Mas o dia estava só começando.
Beleza, vou apreciar o set de instrumentos dos caras. Tudo é realmente muito fantástico, até em silêncio e desligado. Fiquei fazendo umas coisa la pelo back stage. Uma música clássica tocava alto em um dos camarins. Mais tarde um pouco, aparece o Jonny Greenwood. Timidamente cheguei no cara - que é muito simpático - e tentei falar da importancia musical dele na minha vida e na de Fernanda. Ele sorriu e foi bem receptivo. Falei também que Fernanda tocava em orquestra lá na Bahia (além da genialidade do radiohead, Greenwood toca viola e escreve pra Orquestra Sinfônica da BBC)
Dei a ele o disquinho do Dois em Um (da pra ver segurando na foto) e ele se mostrou bem curioso.
Tava na hora de deixar o cara em paz. Ai me lembrei da camera. Perguntei se podiamos tirar uma foto 'preu mostrar a Fernanda..' e ele disse que claro. Tive a cara de pau de pedir ao Colin Greenwood - baixista e irmão do Jonny, pra tirar a nossa foto.

Antes, olhando os equipamentos, eu vi uma coisa curiosa num dos amplificadores do Jonny. Tinha um adesivo escrito "no star wars". Interpretei aquilo como um sinal de não ao estrelismo dentro da banda e um lembrete pra que não haja uma guerra de egos entre eles. Na hora da foto, me toquei que estava com a camisa presenteada do meu amigo Luna, que me pediu pra usar no show e assim fiz. Ela tem escrito "Ringo star wars".
Enfim, estrelas a parte, ca estou com o gênio do arco iris.

E sobre o show? Não ha palavras pra descrever a melhor combinação som/luz/banda que já ví na minha vida de até então.


Esse case aí leva umas coisas curiosas: squeezes de àgua, capacetes (daqueles de construção/obras), protetores auditivos, luvas. um monte de treco pra proteger a equipe deles. Detalhe, tudo leva o nome radiohead. Ah, como eu quis pegar uma lembrancinha daquelas pra mim... Mas os seguranças também levam o nome radiohead.