terça-feira, 13 de abril de 2010

- A Conjuntivite esta na Roll! - E a sua mãe na Playboy!

Fiquei um tempo sem escrever aqui, porque queria começar do começo.Prometi fazer um texto pra contar como foi criar a minha primeira banda de rock, aos 11 anos de idade, na década de oitenta, em Juazeiro-Bahia. Porém as histórias são tantas e tão surreais, que quando paro na frente do computador pra escrever sobre, eu travo e me vem uma série de questões: Qual a melhor forma de traduzir exatamente como foi? Por qual delas começo?
Ate que, por conta de uma mudança de casa, tive que dar fim a um monte de caixas em que guardo várias tralhas, e em uma delas encontrei uma edição da revista Roll (era a Rolling Stone brasileira da década de 80).
Estávamos com um “evento” em que duas bandas muito importantes da cena punk rock da capital se apresentariam pela primeira vez em Juazeiro. Eram elas o “Trem Fantasma” e “Delirium Tremens”. O show de abertura ficaria por conta da local “Conjuntivite”, o meu começo, e também a primeira banda de rock daquela região.

Foi por culpa de Adriano! 

Adriano era um cara que havia chegado de fora, com uma bagagem cultural incrível. E, como se não bastasse, uma fantástica discoteca com centenas de LPs do melhor que havia do rock inglês, americano e algumas fitas de bandas de rock baiano. Ele não só colocava os discos preu ouvir, assim como contava a história das bandas, ilustrando às vezes com instrumentos invisíveis. Como um “air bass”, que fazia pra me mostrar uma genial linha de baixo do John Paul Jones, numa determinada canção do Zepellin.
Ele tinha um equipamento de som muito bom, assim como as chaves de uma sala fechada, em cima da ótica da mãe, donde podíamos ouvir no ultimo volume, aqueles discos que mudaram a minha vida. Aquela sala era o templo, o rock a religião e Adriano o pastor.
A minha devoção era tão grande, que um dia Adriano me disse que devíamos pichar “Força de expressão” nos muros da cidade. Mesmo não tendo a mínima idéia do que se tratava, passei a escrever “força de expressão” até nos livros e paredes da escola. Eu me encantava com cada descoberta que Adriano me apresentava. Eu soube exatamente, dali pra diante o que eu queria da minha vida.
A hora era aquela, eu tinha que ter uma banda!

Eu já tocava um pouco de guitarra, violão e piano, mas Adriano não passava dos instrumentos imaginários.
Um dia, em conversa com os irmãos Tum e Dode, fiquei sabendo que, mesmo sem saber tocar, eles tinham por herança guitarra, baixo e uma bateria, guardados no sítio da família. O generoso Tum resolveu me emprestar os instrumentos.
Montei tudo na garagem da minha casa. Uma hora pegava na guitarra, outrora ia pro baixo, depois a bateria. Felicidade era ver aquela garagem pronta, com os instrumentos montados. Mas faltava um detalhe: o resto da banda!
Como dizia Adriano: “banda tinha que ser uma irmandade.” E assim sendo, escalei dois grandes amigos, que apostei ter vocação pra coisa.
Comecei a ensinar o pouco que eu sabia de bateria pra Joãozinho, e peguei os acordes que Tica sabia de violão e começamos a adaptar pra guitarra. Compus as duas primeiras músicas e pronto, tinha uma banda!
Eu detestava o termo “conjunto”, soava cafona. O bacana era “banda”. E, como em cidade do interior, ate o silêncio alheio se propaga na velocidade da luz, que dirá o barulho.
Mesmo trancados naquela garagem, e menos de uma semana de ensaios, todo mundo já tinha conhecimento da banda. Do padre (que reclamara a minha mãe) a um amigo do meu pai que veio me perguntar:

- Qual o nome do seu conjunto meu filho?

- Conjuntivite! Respondi irritado.

Depois da irônica resposta, me afastei e logo tive um estalo: Hum, ate que não é tão ruim assim! Naquele momento a nossa banda ganhara um nome.
Pichação na igreja de Petrolina/PE


Um ano depois, é chegado o dia do festival.
O palco ficava na “Ilha do Fogo” - ilha que fica no meio da ponte, separando Juazeiro e Petrolina, Bahia e Pernambuco.


Conjuntivite toca no palco armado na Ilha do Fogo


As bandas de Salvador começavam a montar os instrumentos.
Eis que chega a vez de Nicolau Rios, guitarrista do Trem Fantasma,  dá um acorde distorcido e bem alto. Bastou aquele único som, pra eu comentar com meus amigos de banda: 

- Caralho, esse cara tira o som de guitarra que eu sempre quis tirar. É o melhor guitarrista da Bahia! 

Eu sempre fui atrás daquele som, aquele barulho que eu ouvia nos discos de rock. A guitarra era rasgada, suja, pesada. De repente surge esse cara, à poucos metros de mim, tocando exatamente como eu queria tocar.
Fui ate ele:

- Nicolau?

- Cole? respondeu com aquela cara amarrada e os olhos quase fechados.
- Rapaz, como você consegue tocar assim? É exatamente o som que sempre tentei fazer...

- Alquimia! Segredos dos deuses, meu caro. Mas você me parece um bom menino. Eu vou te revelar. Ta vendo isso aqui (apontando pra uma pequena caixa metálica no chão do palco)?

- Sim, o que tem?
- É um pedal, um pedal de distorção! Olha a guitarra sem ele (ouço aquele blein que minha guitarra faz). E agora com ele ligado ( brrrrrruuuuuu!!).
- Cacete!! (o cara é bruxo mesmo, pensei. minha vida mudou - parte 2)

Conjuntivite no Festival
Durante o show: A platéia, curiosa e assustada.


Dia seguinte ao festival, levei os caras da banda pra comer e beber la em casa.
No horário combinado, chegou Adriano e o Trem inteiro. O baixista Ives, o baterista Bozo (com a sua virada de tons mais rápida do rock baiano), o vocalista Marcelo Fofolete e, claro, o meu ídolo Nicolau.
Lá pras tantas, pergunto a ele onde consigo comprar um pedal daqueles. Nicolau movimenta os olhos prum lado, pro outro e fala baixo:

- Ih meu garoto, é quase impossível. Esse aqui meu mesmo, eu só trocaria por um fusca verde, com a placa de Casa Nova (BA), recheado ate o teto da boa massa de lá! 
Olhei pra ele desapontado, enquanto ele desviava o olho de mim e avistava um gravador de rolo importado (e caro) que meu pai havia comprado recentemente. E rapidamente foi falando:


- Mas como você é um garoto gente boa, tratou a gente bem, o rango daqui é sensacional... Eu posso trocar o pedal com você por aquele gravador ali. 

- Caramba, jura?
- Só se for agora. 

A Brasília do Trem Fantasma partiu pra Salvador com o gravador. E o cara mais feliz do mundo ficou em Juazeiro, com o seu novo pedal.
Eu, com a camisa da banda e botton anti bomba nuclear.


Nada bem ficou meu pai, ao saber que o gravador dele havia se transformado numa caixinha que transformava o “bleeem” em “bruuuuu”!
Continuamos tocando na cidade, ensaiando religiosamente das três a sete da noite. Alguns meses após o “festival”, Adriano chega sorridente pra mim e fala:
- A Conjuntivite esta na Roll!

- E sua mãe ta na Playboy. Respondi.
- É sério Luis, olha aqui!!   E me mostra esse exemplar que ilustro no texto.

Matéria da Revista Roll (1983)

Ao que tudo indica, o jornalista estava de passagem pela ponte, que é uma importante ligação do nordeste, quando viu aquela cena inusitada e parou pra crer.
“Ilha do Fogo” virou uma música da minha segunda banda, a Metalúrgica, mas essa estória é pra outro dia.